Por esperança ou por alívio,
encaramos o fim de ano como um tempo de recomeçar. Acabamos por fazer um
balanço de tudo que vivemos de um verão a outro e nos imputamos uma conclusão.
Descobrimos que demoramos 365 dias para não fazer o que propomos ou que tivemos
coragem de fazê-lo; que esquecemos de dizer coisas que ficaram presas no último
inverno; ou que não eliminamos o que nos incomoda - em nós e nos outros. Por
outro lado, nos lembramos das conquistas, de um dia feliz, de uma companhia
agradável, de uma descoberta, de um saboroso almoço, de risos e beijos. E
assim, na balança da vida, etiquetamos o ano que se vai e o colocamos no baú de
nossas lembranças como um ano bom ou um ano ruim.
Mas espere aí. Um ano é muita
coisa. É tanto tempo que dá para sermos anjos e demônios, santos e pecadores,
sonhadores e pés no chão, doces e amargos. Dá pra perdoar, dá pra esquecer, dá
pra curar, dá pra celebrar, dá pra esperar, dá pra ganhar, dá pra perder. Um
ano é tão longo que nem precisaria ser tanto. Pra muitos, um outono bastaria,
ou talvez um setembro apenas. Em um dia - poderia apostar - que muita vida pode
mudar. Sim, para muitos, bastaria um dia.
E se ao invés de um ano,
tivéssemos apenas um dia para refazer nossa trajetória, consertar, corrigir,
comemorar, prometer e realizar? Seríamos ágeis o bastante para aproveitá-lo ou
deixaríamos passá-lo em branco? Quando
colocamos nossos pés no chão de uma manhã qualquer e damos nossos primeiros
passos em direção contrária ao de nossa cama macia, alguma coisa nos move. Às
vezes, ou quase sempre, não temos consciência desse motor. Uns chamam de
sobrevivência, outros de esperança. Pode ser controle, pode ser energia, pode
ser responsabilidade. Pode ser tudo isso junto.
O mais interessante disso tudo é
que nossa vida é construída de dias e o passar dos anos passa a ser
consequência, acúmulo de viver, eu diria; o que aconteceu conosco desde o
último janeiro só tem mesmo importância se o que você fez ontem é coerente com
suas expectativas daqui pra frente. Pois o que se constrói é o adiante, o que
se vai viver.
Assim, o ano que estamos deixando
em nossas vidas não é fruto que dá em árvore na beira da estrada, que temos
opção de colher ou não. É trilha aberta por nós, pelas escolhas. Não só as de
Deus, nem tão somente as nossas. Mas é
inerente a nós. Está tatuado, que não sai, que faz parte. Que não se descarta,
que não tem jeito de não nos pertencer.
E não bastaria um dia para dizer
eu te amo? Ou ainda quantos "eu te amo" você conseguiria dizer em um
dia? Quanta saudade pode se acumular em um dia? Quantas gentilezas somos
capazes de oferecer? Quanto trabalho pode nos realizar? Quantos sonhos podem
ser construídos numa volta pra casa? Quantos quilômetros podemos correr ou
atravessar numa manhã? Quantas malas podemos fazer ou desfazer? Quantas vezes
podemos olhar o espelho? Quantas vezes podemos nos perfumar numa noite? Quantos
copos d'água podemos beber? Quantas recusas podemos dar? Quantos livros podemos
ler ou quantos traços podemos desenhar? Quantas pessoas podemos encontrar,
reencontrar ou mesmo conhecer? Se "muitos" é a resposta para a
maioria dessas perguntas, adianto a próxima: o que você realizará tendo um ano
para tanto?
Uma certa noção de infinitude toma
conta da minha mente. E aí começo a me lembrar dos dias que passei com mais
raiva e menos amor. Lamentando mais e planejando menos. Comendo mais e
exercitando menos. Muito celular e computador e olho no olho menos, dedicação
de menos. Preocupação sobrando e prazer de menos. Falando mais e ouvindo menos.
Dias passados em branco, acumulados no baú esquecido do tempo desperdiçado. Que
não volta, mas que se recupera.
E bastaria um dia para mudar. E
mais um dia, e mais um. E um outro. Um verão, um outono, um inverno e uma
primavera. Sim, um ano feito de dias com manhãs corajosas, de gentilezas
compartilhadas, de almoços em boas companhias, de tardes aquecidas com cheiro
de café com torradas, de noites de amor, de esperanças renovadas, de saudades
guardadas pela distância ou pela ausência, de dias cheios de sol ou recebidos
com chuva, recheados de trabalho, plenos de vida. Dias que virão, queira você
ou não. Dias de dificuldades, de superação, de mansidão. Dias de luta, de dor e
de alívio. De força, de conquista, de sucesso. Dias de vida. E não bastaria um dia
só para você agradecer. E não valeria a pena se não fosse assim. Felizes dias
em 2014.
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